Tenho 41 anos. Quando minha mãe tinha mais ou menos essa idade, era diretora da revista Cosmopolitan e, da mesma maneira que hoje faz minha amiga maravilhosa Cris Naumovs (atual ocupante do cargo), todo mês escrevia a carta ao leitor – aquele textinho logo no começo da revista, meio que uma apresentação da edição. Ela fez isso por vinte anos.
Em uma dessas colunas, escrita quando tinha uns quarenta e poucos anos, minha mãe fala sobre estar ficando mais velha. O texto começa exatamente assim: “Branco. O cabelo está branco.”
Vou escrever sobre o mesmo assunto agora, e homenagear minha mãe começando do mesmo jeito: Contando que, recentemente, Carmen, minha filha, encontrou alguns fios de cabelo branco na minha cabeça, pela primeira vez. Branco. O cabelo está branco.
Noto os reflexos de ter passado dos quarenta. Adolescentes passam por mim com aquele jeito distante e desinteressado de quem não se identifica mais, recebo muito menos olhares masculinos em qualquer ambiente, “a senhora vai beber alguma coisa?”. Outro dia fui fazer um exame de sangue e a moça do laboratório perguntou: “ainda menstrua?”. Pela primeira vez na vida não ouvi o familiar “qual a data da última menstruação?”.
Não me incomodo com nada disso, são apenas sinais naturais do momento em que estou e tudo bem. Me sinto confortável aqui, nesse lugar. Porém tem uma coisa que me incomoda sim, agora. Frases como “fulana tá acabada, cara de velha”. Ou “envelheceu mal aquela lá, hein?”. Ou ainda “você não vai entender porque quando você era jovem não tinha isso”.
Envelhecer? Credo, não pode. É feio. Tem que ficar velha e ter cara de jovem. Se vira, faz plástica, que parecer a idade que tem é crime. Tem que mentir a idade também. Como se fosse uma vergonha, e não um orgulho, cada ano novo que a gente enfrenta, e ganha. Dizer que tem cinco, dez anos a menos. Não entendo a vantagem. No máximo, vão dizer “fulana tá acabada, cara de velha.” Porque, afinal, se eu disser agora que tenho 35 anos não vou magicamente ficar com cara de 35, né amore. Continuarei com cara de quarenta mesmo.
“Ah, no meu tempo…”. Não é assim que eles falam? Que tempo é esse? Meu tempo é hoje, é agora, é 2018, é onde estou. Aqui é MEU TEMPO. Mais do que nunca, inclusive.
Não sei se você viu o stand up da Hannah Gadsby que estreou há pouco no Netflix. Chama “Nanette”. Talvez tenha ouvido falar (recomendo). Hannah tem minha idade. Em dado momento, ela está falando sobre Picasso. Ele mesmo, o pintor. Hannah lembra que Picasso, aos 45 anos, notoriamente se envolveu com Marie-Thérèse, de 17. Foram amantes, ele era casado. Picasso disse certa vez que o relacionamento era perfeito pois ambos “estavam em seu melhor momento”. A isso, Hannah responde algo do tipo: “Que mulher está em seu melhor momento aos 17 anos? Melhor momento pra que? EU estou em meu melhor momento AGORA. Pode vir, você teria coragem de mexer comigo HOJE???”.
Aos 17 anos, certamente Marie-Thérèse estava no melhor momento para cair no papo de um homem mais velho louco para usá-la como bem entendesse. E aos quarenta? Você tem coragem de enfrentar essa mulher? Ela ACABA com você. Porque ela sabe muito. Ela está NO SEU MELHOR MOMENTO.
Lembre disso, se você for ainda bem jovem. Com o tempo, você ficará melhor. Abrace isso, pois é real. Não minta sua idade, não tenha medo de quantos anos terá no ano que vem. Tenha orgulho da mulher em constante evolução que você é. Cada ano vai te tornar mais autoconfiante, mais esperta, mais tranquila, mais FORTE, mais ligada no que realmente importa. Spoiler: não é a aparência física.
E não me chama de “velha”. Não repare se envelheci “bem ou mal”. O que significa isso, no fim das contas? Inspire-se nas mulheres que estão mais á frente que você nesse processo de crescimento ao invés de dispensá-las. É crescimento, não envelhecimento.
Minha mãe hoje tem 75 anos. E o cabelo está branco, todinho. Ela não pinta, sabe? E segue linda, saudável, vivendo no seu tempo, que é hoje. Viu “Nanette” também. Só que mamãe viu no Netflix pelo laptop. Eu não sei acessar o Netflix no computador, nunca tentei, vejo na TV mesmo. Quem sabe um dia peço pra ela me ensinar como faz.
Aliás, também me lembro exatamente da última frase do texto que mamãe escreveu há três décadas, aquele, do cabelo branco:
“Envelhecer? Não tenho tempo pra isso.”