Era 2011 e eu estava em Paris, sozinha. Nas costas, um namoro recém terminado, com gostinho de que não havia acabado ainda. Tudo doía. Que audácia a minha viajar sozinha naquele contexto! Nunca esqueço de um dia crítico onde em plena Cidade Luz eu voltei para meu hotel chorando no taxi. Definitivmente eu não estava bem lá, não sei como era possível mas naquela hora nem Paris era uma boa ideia.
Sentir meu coração partir poucos dias antes do embarque (poucos = a menos de uma semana), a ficha começou a cair durante uma ligação para a Airfrance, quando criei coragem e cancelei a passagem dele. Ali, naquele segundo, o sonho romântico de ir com um grande amor para Paris morria, pela primeira de muitas vezes.
Nenhum lugar do mundo seria bom para aquela garota de 24 anos. Garota. Vocês leram bem. Naquela época eu definitivamente não era uma mulher. Eu já tinha força, muita coragem, mas não era mesmo a pessoa que sou hoje.

2011 no jardim de Tuileries
Parece que várias versões de mim já foram à Paris. Passear por essas versões é revisitar um passado que mostra tantas mudanças, ainda que de forma não linear.
Em 2002 embarcou a filha de 15 anos, com a melhor amiga e a mãe. Essa versão só queria comprar e não tinha paciência para tantos museus. Gostava de castelos, não queria ver estátuas. Essa menina, coitada, não aproveitou nada da boa gastronomia. Não posso culpar aquela mãe, ela bem tentou fazer com que comêssemos outra coisa além de macarrão à bolonhesa, mas não obteve êxito.

2002 no alto da torre
A segunda vez em Paris foi a vez da estudante com espírito aventureiro. Foi preciso um super estudo de mapas, planejar caminhos no Google Maps (já estávamos em 2008) e entender bem como seria a logística daqueles dias. Uma parte da viagem teria a companhia das amigas, a outra parte eu ficaria sozinha.
Aquela garota de 21 anos se perdendo de mochila foi um dos meus maiores orgulhos. Essa versão queria ver todos os quadros que havia estudado na faculdade, não parou um segundo, explorou tudo que pôde e ela foi a única que teve a oportunidade de viver um romance parisiense que ok, durou um dia e meio, mas foi inesquecível. Digno de um filme como “Antes do Amanhecer” e que fez frases como “we will always have Paris” pudessem ser escritas (ou lidas) em emails tardios.

Em 2008 imitando nossa foto de 2002
Se em 2008 o coração era livre, em 2011 era pesado. A garota do início do texto foi sofrer em Paris achando que seria melhor do que sofrer em casa, coitada, ledo engano. Não que Paris tenha sido um arrependimento, nunca será, mas certamente o erro de “timing” foi claro. O melhor lugar para sofrer é em casa, do lado de quem você ama.
Talvez a versão mais parecida comigo, mais ainda bem diferente, seja aquela mulher que embarcou aos 25 anos de idade para estudar um mês na sua cidade preferida. A Joana de 2012 nada tinha em comum com a versão sofrida de 2011 e isso era um fato inquestionável.
Se em 2011 tudo era coração, em 2012 tudo era a profissão. O curso, os estudos, os museus, as exposições de moda, os restaurantes e passeios que mereceriam virar posts. O blog era o amor verdadeiro em questão. Nessa versão eu ganhei um dos melhores presentes que a cidade me deu: uma semana com a minha mãe, agora duas adultas bebendo juntas no bar, aproveitando as melhores comidas e se divertindo caminhando pelas ruas do “Rive Gauche”. O apê alugado em Saint Germain nos arrancou boas risadas, sorrisos e me deixou preparada para as semanas seguintes, em que mais uma vez me veria completamente sozinha na cidade.

2012 no Jardin du Luxembourg
Nunca fiquei tanto tempo sozinha antes, também nunca depois. E antes disso tudo, estar sozinha nunca havia sido tão gostoso. Depois dessa me tornei entusiasta da minha própria companhia. Passei a frequentar restaurantes legais, parques, museus e muitos outros programas. Essa versão de mim dormia cedo de tão cansada dos estudos, mas tudo valeu. Ali a solidão foi um presente, nada de dor.
Engraçado se permitir voltar no tempo, rever suas histórias, seu comportamento em um café ou mesmo sentada num gramado. Eu não sabia ainda que aquelas garotas nunca mais voltariam à Paris. Acho que eu teria feito uma despedida mais apropriada se soubesse.
Em 2015, aos 28 anos tudo mudou. O mundo virou, a autoestima ganhou o jogo e assim, uma versão mais mulher, mais decidida, menos clichê e nada medrosa se apoderou do próprio corpo. Foi nesse contexto que eu visitei Paris levando minha melhor versão de mim pela primeira vez e para realizar um sonho de anos: passar meu aniversário lá, com alguém que jamais poderia se transformar num amor do passado, com alguém que dividiria cada alegria ao meu lado. Foi assim que com 28 anos de idade embarquei com a Carla (e o Arthur na barriga) para viver a primeira visita dessa versão, que voltou com 29 anos e mais uma vez mudada.
Dessa vez já tinha toda certeza do que gostava, do que não gostava, do que queria ver e do que não queria fazer. Teve semana de moda, refeições fantásticas, risadas, passeios, sorrisos, momentos sozinha (agora toda viagem tem que ter isso) e momentos de celebração. Daquela vez, Paris não era apenas uma boa ideia, era a ideia perfeita.
É engraçado perceber ao longo de diferentes experiências como eu mudei. Dos 15 para os (quase) 30 tudo mudou e nada mudou. Algumas coisas são imutáveis, por exemplo, o amor por Tarte Tatin, a paixão pela Place de Vosges, a alegria de passear no Marais no domingo depois de vir de MontMartre e as infindáveis caminhadas por Saint Germain, seus jardins e seus segredos. Todas as versões (até a mais triste delas) viveram um amor pleno pelos detalhes.

Engraçado ver como evoluímos e nos tornamos diferentes, estranho notar que não somos mais as mesmas, mas ao mesmo tempo carregamos algumas coisas que nunca mudam. Lendo um livro que falava de uma experiência de um café em Paris me transportei para essa reflexão. Ali, vi que às vezes podemos escolher um lugar, aniversários, carnavais ou experiências marcantes para entendermos que nunca mais seremos os mesmos, talvez nunca mais venhamos a ser quem somos hoje. Amanhã novas experiências virão e nós precisaremos ter a sabedoria de evoluir, crescer, soltar o que precisa ir e acolher o que precisa ficar.
Hoje eu não sei quando vou voltar, não sei quem eu vou ser até lá, mas apenas espero ser ainda melhor, ainda mais dona de mim.
Joana Cannabrava